Marketing Digital e Alimentação
Será que o marketing digital influencia as escolhas alimentares das crianças e adolescentes?
Hoje em dia, as crianças e adolescentes, principalmente dos 8 aos 18 anos, utilizam diversos meios de comunicação social (muitas vezes simultaneamente), e passam um tempo considerável expostos a uma quantidade significativa de anúncios alimentares no mundo digital, destinados a diferentes audiências. Os estudos confirmam que a exposição ao marketing digital é responsável pela promoção de ambientes obesogénicos. O ambiente obesogénico tem uma influência substancial, com elevada disponibilidade e comercialização de produtos alimentares de baixo custo, ultra processados, densamente calóricos e altamente palatáveis.
O marketing alimentar contribui para o aumento das taxas de obesidade infantil?
A obesidade infantil é um grave problema de saúde pública que está diretamente relacionada com o aumento das taxas de morbilidade e mortalidade, e que acarreta grandes custos económicos e sociais a longo prazo. A nível mundial, a prevalência de excesso de peso em crianças e adolescentes quadruplicou entre 1975 e 2016, e particularmente na Região Europeia da Organização Mundial de Saúde, 1 em cada 3 crianças dos 6 aos 9 anos de idade vive com excesso de peso ou obesidade. A obesidade infantil aumenta o risco para o desenvolvimento de obesidade na idade adulta, e consequentemente para o aparecimento de doenças, tais como a diabetes, as doenças cardiovasculares, e algumas formas de cancro.
Nos últimos anos, tem sido reconhecido o papel dos ambientes alimentares na prevenção e controlo da obesidade. Os estudos têm apontado para fortes associações entre o aumento da publicidade a alimentos não saudáveis e as taxas de obesidade infantil. A maioria das crianças com menos de 6 anos não consegue distinguir entre os programas televisivos e a publicidade, ou seja, quando se passa da transmissão do programa para a publicidade. Por outro lado, crianças com menos de 8 anos não compreendem a intenção da publicidade. As crianças têm uma notável capacidade de recordar os conteúdos dos anúncios a que foram expostas. Tem sido demonstrado que apenas uma única exposição à publicidade de produtos alimentares não saudáveis afeta as preferências das crianças, e que é reforçada por exposições repetidas.
A publicidade dirigida a crianças tão jovens é, pela sua própria natureza, exploradora. Na verdade, o marketing dirigido a crianças infringe alguns dos direitos que estão presentes na Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, nomeadamente os direitos fundamentais à saúde e alimentação, à educação e acesso à informação, e pode ainda infringir o direito de a criança estar livre de qualquer forma de exploração económica.
Quando online as crianças e adolescentes são expostos à comercialização digital de alimentos não saudáveis, especialmente álcool e alimentos ricos em açúcares livres, gordura saturada e/ou sal. Sabe-se que esta exposição influencia diretamente os hábitos alimentares das crianças e, como consequência, promove ambientes alimentares obesogénicos. Esta exposição pode ser o resultado de anúncios pagos, publicidade indireta (inclusão de mensagens publicitárias de forma subtil no conteúdo de programas de televisão, filmes, jogos, revistas, rádios, eventos, etc.), partilha de conteúdos ou por atividade dos influenciadores digitais.
Como é que o marketing digital afeta as preferências alimentares das crianças e adolescentes?
A televisão é uma das principais plataformas para a publicidade alimentar e a maior parte da investigação existente que analisa o marketing alimentar dirigido às crianças tem-se concentrado na publicidade tradicional nos meios de comunicação social. Os estudos apontam para uma maior promoção a alimentos pouco saudáveis, e muitas vezes são implementadas múltiplas técnicas de marketing persuasivas, estando associadas aos comportamentos alimentares das crianças. Contudo, recentemente, observou-se que a televisão já não é a principal plataforma escolhida entre as crianças, tendo sido ultrapassada por plataformas de visualização online e dispositivos móveis. Também foram introduzidos os “advergames”, ou seja, a utilização de jogos online, como ferramentas para divulgar e promover marcas, produtos e /ou organizações.
Sabe-se que a publicidade online combinada com a publicidade televisiva aplica uma maior influência no consumo alimentar das crianças e adolescentes. O marketing digital amplifica a publicidade nos meios de comunicação tradicionais, conseguindo maior atenção e memória da publicidade, maior consciência da marca e atitudes de marca mais positivas. Para além disso, os conteúdos partilhados pelos influenciadores digitais estão associados a um grande impacto nos hábitos alimentares das crianças.
As crianças e adolescentes necessitam de proteção contra a exposição ao marketing digital, uma vez que as suas capacidades cognitivas ainda se estão a desenvolver. Depois de terem adquirido defesas cognitivas semelhantes às dos adultos, podem ainda ser menos capazes de reconhecer as mensagens que estão implícitas nas comunicações de marketing. Mesmo que possam distinguir os conteúdos publicitários, podem ser suscetíveis aos seus efeitos persuasivos, uma vez que as plataformas digitais recolhem dados pessoais extensivos dos utilizadores da Internet para entregar publicidade comportamental, ou seja, elaboração de conteúdo publicitário, individualizado, para o consumidor, especificando com precisão as audiências e visando os mais vulneráveis.